Sistemas de Inteligência Artificial podem ajudar a colocar alunos no papel de professores para aumentar engajamento e consolidação de conteúdos
Publicado por Camila Pereira
Data: 13/01/2021
Uma famosa citação diz que “se você não consegue explicar algo a uma criança, você ainda não o entendeu muito bem”. Faz sentido: para ensinar, precisamos ter confiança de que conhecemos o assunto e capacidade de síntese para passá-lo adiante. Por isso, colocar os estudantes no papel de professores pode ser uma boa estratégia para melhorar seu engajamento com a aprendizagem. É o chamado efeito protégé.
Um estudo de 2009 investigou o tema, propondo um sistema baseado em Inteligência Artificial que poderia ser “ensinado” a partir de associações entre conceitos fornecidas por uma pessoa. Esse sistema era chamado de teachable agent (TA), ou um “agente ensinável”.
Para o experimento, os participantes foram divididos em dois grupos: em um deles, deveriam ensinar o agente para que ele fizesse um teste, enquanto, no outro, eles mesmos tinham que se preparar para a prova. O resultado foi que os estudantes encarregados pelo TA apresentaram um esforço maior para dominar o assunto, inclusive aqueles que tinham um histórico de baixo desempenho na escola. O esforço extra resultou em ganho de aprendizado.
O que esses dados nos dizem? Uma das primeiras hipóteses é a da motivação: ser responsável pelo desempenho de outra pessoa (ou máquina, aparentemente) faria o estudante ter uma razão mais forte para se empenhar. Outra possibilidade é a de que ter um pupilo oferece um mecanismo de proteção do ego. Focar no sucesso do protégé nos torna menos suscetíveis ao nosso próprio fracasso, reduzindo a dificuldade de colocar esforço em algo que pode dar errado e expor nossas falhas. Os estudantes com um TA também se sentiram mais confortáveis em identificar suas respostas incorretas e procurar corrigi-las.
O potencial da IA para o efeito protégé
Além de esclarecer alguns dos mecanismos do aprendizado por pares, esse estudo também sugere um uso interessante de aplicações tecnológicas. O sistema construído para o experimento permitia fazer uma conexão entre tópicos para ensinar o TA e também testar os conhecimentos. Seria então aconselhável construir sistemas em que os estudantes ensinam agentes não-humanos como estratégia para aumentar sua motivação e empenho?
Um outro estudo sobre o efeito protégé verificou que, quando os participantes imaginavam que estavam interagindo com outra pessoa, seus resultados de aprendizagem eram melhores — mesmo que na verdade estivessem interagindo com um robô. Isso pode indicar que a mera ideia de estar em uma situação social com outro humano já aumenta o engajamento no aprendizado.
Naturalmente, há implicações éticas que devem ser levadas em consideração. Enganar alunos sobre com quem eles estão interagindo só é aceitável em um contexto pontual de pesquisa. Mas a simples promoção de engajamento social entre os estudantes pode ser um combustível para melhores resultados educacionais.
Papel do professor
Vale lembrar, ainda, que um agente ensinável não é um substituto para um professor ou instrutor. Mesmo no estudo mencionado, seu papel estava mais ligado à consolidação do aprendizado e ao exercício dos tópicos do que à instrução em si. A ideia do protégé poderia, então, funcionar como um complemento a outras práticas pedagógicas.
Outra oportunidade indicada pelo estudo é a de promover situações em que o estudante se sinta seguro para cometer erros sem se expor. Isso pode deixá-lo confortável para fazer mais experimentos e tentativas que levem à aquisição de conhecimento. Muitos ambientes virtuais oferecem essas funcionalidades, ao permitir respostas privadas e comunicação assíncrona, por exemplo.
Dessa forma, o aprendizado se torna também mais personalizado: cada aluno dedica seu próprio tempo a cada tópico. Esse fator, combinado à motivação de se sentir responsável por outro membro da comunidade, colabora para o desenvolvimento de mais autonomia e auto-eficácia. A tecnologia, é claro, não é essencial para a adoção dessa estratégia, mas se apresenta como um caminho para potencializar intervenções pedagógicas.
Bibliografia:
Chase, Catherine C., et al. “Teachable agents and the protégé effect: Increasing the effort towards learning.” Journal of Science Education and Technology 18.4 (2009): 334-352.
Okita SY, Bailenson J, Schwartz DL (2007) The mere belief of social interaction improves learning. In: McNamara DS, Trafton JG (eds) The proceedings of the 29th meeting of the cognitive science society. August, Nashville, pp 1355–1360.