Quanto mais experiências de letramento a criança vivenciar em seu cotidiano, mais prazeroso tende a ser seu processo de aquisição da leitura e escrita
Publicado por Bruna Fleury
Data: 19/05/2021
Você sabia que, muito antes de uma criança entrar no Ensino Fundamental, é possível contribuir para que seu aprendizado futuro da leitura e da escrita ocorra de maneira muito mais fácil e significativa? Para isso, é fundamental entender os conceitos de alfabetização e letramento.
O assunto é tema do primeiro episódio do podcast Jornada do Aprender, da Education Journey, em que nossa COO, Marcela Quintella, entrevista a especialista em letramento Cristiane Mori.
Cristiane explica que a alfabetização, mais conhecida pelo público leigo, é o domínio da técnica da leitura e da escrita. Uma pessoa alfabetizada, portanto, compreende o funcionamento do nosso sistema de escrita, identificando o som que cada letra ou dígrafo representa, sendo assim capaz de ler e escrever por conta própria.
Dizer que uma pessoa é ou não alfabetizada, porém, não dá conta da multiplicidade de situações que podem existir em relação ao uso social da escrita e da leitura. Foi aí que surgiu o termo letramento. Um indivíduo letrado é aquele que consegue participar em práticas em que a leitura e a escrita são necessárias, sendo ou não alfabetizado. O letramento, portanto, é a capacidade de usar a leitura e a escrita de acordo com as demandas sociais.
Por exemplo: uma pessoa pode ser capaz de realizar determinadas atividades do cotidiano que necessitem do letramento, como entender placas e comparar preços no mercado, sem ser alfabetizado. Por outro lado, existem pessoas alfabetizadas que têm dificuldade de adequar sua escrita aos diferentes contextos sociais, o que indica lacunas em seu letramento.
Os termos são, portanto, ao mesmo tempo independentes e interdependentes. “Quando eles se conectam e se interrelacionam, toda a potência da leitura e da escrita como instrumentos para o exercício da cidadania se coloca”, diz Cristiane.
Assim, uma pessoa letrada e alfabetizada não apenas sabe ler e escrever, mas também se apropria da leitura e da escrita para participar das mais diferentes situações sociais, ampliando sua visão de mundo e possibilitando reflexões críticas. Ela é capaz de utilizar essas habilidades como meio de comunicação, de lazer ou de informação, garantindo para si o acesso aos conhecimentos e benefícios que elas proporcionam.
Portanto, tão importante quanto investir na alfabetização das crianças é fomentar seu letramento (clique aqui para dicas práticas de como fazê-lo). E, quanto mais experiências de letramento em situações sociais informais a criança vivenciar, mais prazeroso tende a ser seu processo de aquisição da leitura e escrita.
Não por acaso, Cristiane considera que o grande gap educacional no Brasil hoje está ligado ao letramento, e não necessariamente à alfabetização.
Isso ocorre porque uma criança que nasce em um contexto socioeconômico favorável é exposta desde cedo a situações que favorecem seu letramento, o que atribui sentido à alfabetização. “Ela ganha uma plaquinha com o nome dela na porta da maternidade e nunca mais a escrita se afasta dela”, diz a especialista. “Ela tem livros, vai ao cinema, teatro, museus, exposições, parques, viaja, convive com adultos que leem, que escrevem, que usam os mais variados dispositivos, navegam na internet… Ela vive em um ambiente letrado, em que a leitura e a escrita são parte integrante do dia a dia”, explica.
Dessa forma, é normal que, mesmo antes de ser alfabetizada, já consiga folhear livros e imaginar suas histórias seguindo a direção correta de leitura.
Enquanto isso, crianças de contextos socioeconômicos desfavoráveis muitas vezes chegam à escola sem nunca terem sido expostas a situações semelhantes, sem contato prévio com livros, revistas, jornais ou mesmo instrumentos de escrita como lápis, canetinha e papel.
Essa desigualdade acaba se refletindo no desempenho escolar, já que a criança de renda média ou alta, que quase sempre já foi exposta a diferentes tipos de textos, se apropriará desses modelos em sua própria produção, tendo mais chances de ser bem avaliada. Quem não teve esses estímulos, por outro lado, tende a reproduzir essa realidade mais limitada, o que conduz à má avaliação.
Para Cristiane, essa diferença de repertório é muito difícil de ser suprida pela escola. Para isso, seria necessário uma “cidade educadora”, que oferecesse uma grande variedade de atividades culturais e de lazer acessíveis a toda a população.
Para saber mais sobre o assunto, ouça nosso podcast na íntegra!
Sobre Cristiane Mori
Mestre em Linguística pela Unicamp. Foi professora do Departamento de Linguística da PUC-SP durante 23 anos. Integrou a equipe de redatores da Base Nacional Comum Curricular, no componente de Língua Portuguesa. Atualmente é professora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades e trabalha como consultora, formadora e elaboradora de materiais didáticos do programa Escrevendo o Futuro/Olimpíada de Língua Portuguesa (MEC, Fundação Itaú Social e CENPEC), onde coordena o curso on-line de formação de professores Caminhos da Escrita.